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A determinação de marca ou modelo específicos no instrumento convocatório de licitações – entendendo-se como marca a identificação de um objeto frente a outras características, e como modelo a determinação das características técnicas e da determinação de uso de um objeto - é uma prática que ganhou novos fundamentos com a edição da Nova Lei de Licitações (Lei n° 14.133/2021).
Anteriormente, a escolha de marcas era, em geral, vedada pela Lei n° 8.666/1993, sendo admitidas somente estritas exceções previstas na legislação e determinadas através da jurisprudência. Nesse sentido, discussões envolvendo o princípio da isonomia, da competitividade e do interesse público levavam diversas vezes a impugnações, recursos e até a anulações de certames licitatórios.
Dado esse contexto, a Lei n° 14.133/2021 tratou de definir, em seu artigo 41, hipóteses excepcionais de determinação (ou vedação) de marcas como objeto de licitações envolvendo o fornecimento de bens. Lê-se:
Art. 41. No caso de licitação que envolva o fornecimento de bens, a Administração poderá excepcionalmente:
I - indicar uma ou mais marcas ou modelos, desde que formalmente justificado, nas seguintes hipóteses:
a) em decorrência da necessidade de padronização do objeto;
b) em decorrência da necessidade de manter a compatibilidade com plataformas e padrões já adotados pela Administração;
c) quando determinada marca ou modelo comercializados por mais de um fornecedor forem os únicos capazes de atender às necessidades do contratante;
d) quando a descrição do objeto a ser licitado puder ser mais bem compreendida pela identificação de determinada marca ou determinado modelo aptos a servir apenas como referência;
II – [...]
III - vedar a contratação de marca ou produto, quando, mediante processo administrativo, restar comprovado que produtos adquiridos e utilizados anteriormente pela Administração não atendem a requisitos indispensáveis ao pleno adimplemento da obrigação contratual;
[...]
Conforme explica Marçal Justen Filho na obra Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas (1ª ed., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021), essas condições de aceitabilidade da proposta estabelecem requisitos de identidade do objeto licitado, o que, apesar do potencial efeito restritivo à competitividade do certame, visa prevenir danos evitáveis ao interesse da Administração Pública. Assim, reduz-se o risco de contratações não satisfatórias e se incentiva a formulação de propostas compatíveis com os padrões técnicos exigíveis.
Importante destacar que o artigo 41 institui competência discricionária para a adoção das exigências, ou seja, não é obrigatório estabelecê-las. Caso a Administração Pública opte por determinar marca ou modelo específico no edital da licitação, este instrumento deve contemplar, desde sua publicação, os motivos, a justificativa e os critérios de avaliação dos requisitos, observando sempre a proporcionalidade – ou seja, respeitando a indispensabilidade e a adequação da exigência, bem como causando a menor lesividade possível à competitividade do certame.
Por isso, Marçal Justen Filho destaca: “Não será válida a exigência consagrada no edital que não esteja respaldada por motivação e justificativa apropriadas nos documentos prévios à licitação”.
Dessa forma, analisaremos a seguir, com fundamento na Lei n° 14.133/21 e na obra mencionada, as quatro hipóteses de cabimento da determinação de marca ou modelo nas licitações, constantes no artigo 41, I, da Nova Lei de Licitações, bem como a hipótese de cabimento da vedação, prevista no inciso III do mesmo dispositivo:
A hipótese de determinação prevista na alínea ‘a’ visa a padronização dos objetos a serem contratados pela Administração Pública com base em marca ou modelo. Ou seja, utiliza-se da identidade determinada pela marca ou pelo modelo como forma de padronizar os bens a serem adquiridos, exclusivamente.
Para isso, assim como nas demais hipóteses estabelecidas no artigo 41, I, faz-se necessária a justificação adequada e exaustiva da Administração Pública, no instrumento convocatório, explicando os motivos de necessidade da padronização. Nesse sentido, mesmo antes da edição da Lei n° 14.133/21 a prévia justificação da necessidade de padronização era apontada como requisito essencial à escolha de marca, como se depreende da Súmula n° 720 do TCU, a seguir transcrita:
"Em licitações referentes a compras, inclusive de softwares, é possível a indicação de marca, desde que seja estritamente necessária para atender exigências de padronização e que haja prévia justificação."
Em situações nas quais a Administração Pública já tenha adquirido produtos ou implementado soluções que demandam características específicas de bens para seu funcionamento adequado, permite-se a determinação de marca ou produto sob a lógica do artigo 41, I, b, da Nova Lei de Licitações.
A justificativa para essa determinação se dá em razão da defesa do princípio da eficiência, uma vez que a contratação de bens diversos daqueles referidos no instrumento convocatório causaria dificuldades na utilização conjunta com os bens já adquiridos.
Por isso, os motivos apresentados pela Administração Pública devem evidenciar inviabilidade, inconveniência ou ineficiência caso fossem contratados produtos diversos dos determinados, de forma que somente sejam aceitas ofertas que versem sobre produtos da marca ou modelo referidos.
Caso se identifique que determinadas necessidades da Administração Pública exijam produtos de identidade e/ou características específicas para serem satisfeitas, existindo uma pluralidade de fornecedores capazes de fornecer os bens em questão, poderá ser determinada marca ou produto específico com base na alínea ‘c’ do dispositivo em análise.
Para que ocorra a determinação de marca ou produto, contudo, é necessário que exista algum nível de competição entre fornecedores diferentes. Caso não haja nenhuma pluralidade de alternativas para satisfazer a necessidade da Administração Pública, isso pode conduzir a uma hipótese de inexigibilidade de licitação, prevista no artigo 74 da Lei n° 14.133/21 e já analisada em outro artigo disponível em nosso site.
A hipótese de determinação prevista na alínea ‘d’ se diferencia das demais, visto que não restringe a contratação exclusivamente ao objeto determinado, aceitando propostas que ofereçam produtos com características semelhantes às da marca ou produto indicado.
Para isto, deve-se determinar um ou mais produtos como padrão para avaliação da aceitabilidade das propostas. Este produto padrão, por sua vez, deve conter as qualidades mínimas necessárias à satisfação das necessidades da Administração, sob pena de violar a proporcionalidade necessária, exigindo-se, em geral, que o desempenho dos produtos ofertados seja equivalente ao padrão escolhido.
Além das hipóteses de cabimento da determinação de marca ou produto, a Lei n° 14.133/21 estabelece, em seu artigo 41, III, hipótese na qual a Administração Pública pode determinar a vedação à contratação de marca ou produto específico.
Para que isso seja possível, a marca ou o produto em questão deve ter sido adquirido e utilizado anteriormente pela Administração Pública, tendo necessariamente ocorrido processo administrativo a fim demonstrar que estes produtos não atendem a requisitos indispensáveis ao pleno adimplemento da obrigação contratual. Além disso, deve ser facultada ao interessado a possibilidade de, através de novo processo administrativo, pleitear a revogação da vedação.
Esta medida não deve ser vista como um instrumento sancionatório às empresas que forneceram os referidos produtos, mas sim como uma forma de evitar que a Administração adquira novamente um produto considerado, de forma objetiva, insatisfatório.