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Poucos assuntos são tão confusos no direito e no próprio imaginário das pessoas quanto as benfeitorias. E uma das explicações para isso é a grande quantidade de regras, previstas em leis diferentes, sobre o tema. Existem regras sobre benfeitorias, por exemplo, tanto no Código de Defesa do Consumidor (art. 51, XVI), como na Lei do Inquilinato (art. 35 e art. 36), quanto no Código Civil (dezenas de artigos).
Não é raro que haja dúvida, portanto, na própria decisão sobre qual lei aplicar ao caso concreto. Pior, as benfeitorias também são comumente confundidas com as acessões artificiais (Código Civil, art. 1.253 a art. 1.259), as quais têm um regramento próprio, que é similar, porém que não é idêntico.
Destaque-se, por fim, que as benfeitorias e acessões artificiais são um tema do cotidiano. Não são um problema teórico, doutrinário, circunscrito às salas de aula das faculdades de direito. Ao contrário, são um tema da vida real.
Benfeitorias são intervenções feitas sobre um bem com o objetivo de conservá-lo, melhorá-lo ou embelezá-lo.
Se o objetivo for a conservação, a benfeitoria é necessária, se for a melhoria, a benfeitoria é útil e se for o embelezamento, ela é voluptuária.
O exemplo clássico são as benfeitorias realizadas sobre uma casa: a troca de telhas quebradas é uma benfeitoria necessária (do contrário a casa se deteriorará); já a instalação de grades nas janelas é uma benfeitoria útil (afinal, aumenta-se a segurança do imóvel); por fim, a instalação de um chafariz no jardim é uma benfeitoria voluptuária (pois é algo que apenas “embeleza” o bem).
Na prática, nem sempre é fácil decidir qual a natureza da benfeitoria. Quando até mesmo isso é controverso, acaba sendo o Juiz aquele que decide, com inevitável grau de subjetivismo.
Já a acessão artificial é algo mais profundo que uma benfeitoria – embora haja grande semelhança. Se a benfeitoria é uma intervenção sobre um bem, a acessão artificial é um acréscimo, com o objetivo de criar coisa nova, a qual se incorpora ao bem (chamado de “principal”).
Retomando-se o exemplo da casa: uma acessão artificial seria a construção de uma edícula no fundo do terreno.
Na vida real, todos os dias são gerados incontáveis problemas sobre benfeitorias e acessões artificiais, com base em uma única premissa: a situação em que a posse direta sobre o bem é exercida por quem não é o proprietário do bem.
Retome-se, uma vez mais, o exemplo da casa: quando é o próprio dono da casa que conserta o telhado, instala grades nas janelas, constrói um chafariz ou edifica uma edícula, isso não interfere na vida de outras pessoas, sendo algo pouco relevante para o Direito.
Os problemas passam a ocorrer quando é um inquilino que conserta o telhado ou constrói a edícula. Quando é um comodatário ou um possuidor a qualquer outro título. Quando o filho que mora na edícula resolve, com seus próprios recursos, ampliá-la, dentre outras situações.
É para essas hipóteses que as legislações já citadas estipulam regras sobre indenizações e retenções, que serão explicadas a seguir.
O Código Civil é a fonte geral das regras sobre benfeitorias. O que nos interessa analisar são as regras atinentes à premissa mencionada no tópico anterior: situações em que o possuidor do bem não é o proprietário, sendo que foi este possuidor que realizou as benfeitorias.
Nesses casos, se o possuidor estiver de boa-fé, ele tem direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis que realizou, pelo seu valor atual, bem como direito de retenção sobre as mesmas.
Já quanto as benfeitorias voluptuárias, se a sua retirada não implicar dano ao bem, podem ser levantadas pelo possuidor de boa-fé.
O exemplo seria o de um comodatário sobre uma casa: se ele consertou o telhado e instalou grades nas janelas, tem o direito de ser indenizado pelo proprietário pelo valor dessas melhorias. Pior, se o proprietário estiver tentando retomar a casa, o possuidor tem o direito de nela permanecer até ser indenizado das benfeitorias necessárias e úteis que realizou – é isso que significa o “direito de retenção”. Já quanto ao chafariz no jardim, o possuidor tem o direito de removê-lo e de levá-lo consigo, desde que isso não gere um dano à casa.
No entanto, se o possuidor estiver de má-fé, tem direito somente à indenização pelas benfeitorias necessárias, pelo seu valor de custo ou atual, a critério do proprietário. Não possui qualquer direito de retenção e não tem direito a levantar as benfeitorias voluptuárias.
Ou seja, em nosso exemplo, o invasor de uma casa só teria direito a ser indenizado pelo conserto do telhado. Não teria direito sobre as grades das janelas e nem poderia levar o chafariz embora. Pior, não poderia permanecer no imóvel enquanto não fosse indenizado.
Perceba-se, contudo, um detalhe importante: até mesmo o possuidor de má-fé tem algum direito à indenização.
Ao fazer a leitura do tópico acima, provavelmente a primeira imagem que veio à mente do leitor foi a de um inquilino cobrando indenização por benfeitorias do locador do imóvel onde mora. Afinal, a situação mais comum de um possuidor que não é o proprietário do bem ocorre no contrato de locação.
O problema é que os contratos de locação de imóveis urbanos não são regidos pelo Código Civil. E sim por uma lei especial, a Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91), a qual o STJ já decidiu que prevalece, inclusive, sobre o Código de Defesa do Consumidor.
E a Lei do Inquilinato possui regramento próprio sobre as benfeitorias. Basicamente, dispõe que o inquilino, em regra, tem direito à indenização sobre as benfeitorias necessárias que fizer.
Já sobre as benfeitorias úteis, só tem direito à indenização se elas tiverem sido autorizadas pelo locador. Em ambos os casos, terá direito de retenção.
Já sobre as benfeitorias voluptuárias, elas não são indenizáveis, podendo ser levantadas pelo inquilino, desde que sua retirada não gere dano ao imóvel.
Perceba-se: o regramento é muito diferente do estipulado no Código Civil, porque a Lei do Inquilinato permite que as partes convencionem o que quiserem acerca das benfeitorias.
Isso faz com que a esmagadora maioria dos contratos-padrão de locação imobiliária urbana prevejam cláusula de exclusão absoluta do direito à indenização e de retenção por benfeitorias, sejam elas quais forem. E tal cláusula, por mais que contrarie expressamente a norma do art. 51, XVI, do Código de Defesa do Consumidor, é reputada como lícita. O assunto é tão célebre que já foi editado enunciado de súmula do STJ a respeito (nº 335).
Ou seja, é preciso ter cuidado para saber quando o Código Civil não se aplica ao se analisar uma situação de litígio sobre benfeitorias.
As acessões artificiais, por sua vez, são regidas apenas pelo Código Civil. E o seu regramento, como dito, é muito similar ao das benfeitorias. Há, contudo, uma específica diferença que é importantíssima: se houver má-fé daquele que “construiu em terreno alheio”, ele não terá qualquer direito à indenização ou à retenção.
Relembre-se que, no regramento das benfeitorias, mesmo o possuidor de má-fé tem direito à indenização pelas benfeitorias necessárias.
Retomando-se o exemplo utilizado: se um invasor esbulha uma casa e conserta o telhado, terá direito a ser indenizado por tal benfeitoria necessária. No entanto, se esse mesmo invasor constrói uma edícula atrás da casa, perderá a mesma em benefício do proprietário.
Perceba-se: a diferença de consequência jurídica entre as duas situações é monumental.
Por fim, a acessão artificial possui uma norma especial que não guarda paralelo com as regras sobre benfeitorias: se, ao construir em terreno alheio, o valor da construção exceder consideravelmente o valor do terreno, quem com boa-fé construiu terá direito a adquirir a propriedade do bem principal, mediante indenização fixada judicialmente. Essa hipótese recebe o nome de “acessão inversa”.
Ou seja, é possível que o possuidor de boa-fé de um terreno, ao nele construir algo novo que se incorpore ao principal, venha a adquirir sua propriedade.
Benfeitorias e acessões artificias são um tema do cotidiano do brasileiro. As pessoas, o tempo todo, constroem em terreno alheio, fazem obras em imóveis de parentes ou de locadores e depois se desentendem e levam tais disputas ao Judiciário.
São extremamente comuns as ações reivindicatórias ou de despejo, ou mesmo execuções para entrega de coisa certa (Código de Processo Civil, art. 917, IV), em que os possuidores podem exercer o direito de retenção e simplesmente nem se atentam a isso.
Mais comum ainda são situações em que inquilinos pleiteiam indenização por benfeitorias, em contratos regidos pela Lei do Inquilinato, tentando erroneamente aplicar o Código Civil ou o Código de Defesa do Consumidor.