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Nos termos do artigo 121 da Lei 8.112/1990, o servidor público, quando do exercício irregular das atribuições de seu cargo, pode responder em três âmbitos distintos, sendo eles: civil, penal e administrativo. Todos esses âmbitos de responsabilidade podem se desenvolver a partir de um mesmo fato, contando, cada um, com condições e consequências distintas.
A responsabilidade civil do servidor público tem como condição a ocorrência de prejuízo ao erário ou a terceiros por meio de ato comissivo ou omissivo, doloso ou culposo. Ou seja, diz respeito somente aos efeitos patrimoniais de eventual irregularidade cometida por servidor público, resultando no dever de ressarcir os prejuízos causados ao erário público por qualquer tipo de ato cometido no exercício de seu cargo.
A responsabilidade penal se dá em casos nos quais o servidor comete ato que se enquadre na tipificação de crime ou contravenção penal, nos termos da legislação vigente. Para que ocorra, devem ser seguidas as normas penais e processuais penais, exigindo-se o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público – ou eventual particular com legitimidade para oferecimento de queixa-crime – e consequente instauração de processo penal, a ser processado e julgado por Juízo competente.
A responsabilidade administrativa, por fim, “resulta de ato omissivo ou comissivo praticado no desempenho do cargo ou função”, nos termos do artigo 124 da Lei n° 2.112/90. Nesses casos, o descumprimento de deveres funcionais e/ou a prática de infrações administrativas relativas ao cargo podem resultar na abertura de processo administrativo disciplinar, a ser conduzido pela própria Administração Pública, com possibilidade de aplicação de sanções previstas em lei, as quais variam de penas mais leves, como a advertência, até mais gravosas, como a demissão e a cassação de aposentadoria.
As sanções decorrentes de cada âmbito de responsabilidade são independentes entre si, podendo cumular-se, conforme dispõe o artigo 125 da Lei n° 8.112/1990. Apesar disso, especialmente no que diz respeito às responsabilidades penal e administrativa, podem ocorrer diferentes influências de um âmbito sobre a outra, como se verá a seguir.
Via de regra, a responsabilidade penal e a administrativa do servidor público correm de maneira independente, mesmo que sejam resultantes de um mesmo fato. Ou seja, caso o servidor cometa um ato comissivo ou omissivo que se configure, simultaneamente, enquanto violação ao respectivo código de disciplina funcional e crime/contravenção penal, podem ser instaurados, concomitantemente, processo administrativo disciplinar e processo penal para averiguação da mesma conduta.
Quanto a isso, a jurisprudência nacional possui forte entendimento de que, em geral, as decisões proferidas pelo Juízo competente para persecução penal são independentes das decisões proferidas pela comissão instaurada para realização de sindicância ou PAD.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, em julgado de relatoria do Ministro Cezar Peluso no RMS n° 26.510/RJ, expressamente dispôs que “o servidor público pode, ao mesmo tempo, responder a processo judicial penal e a procedimento administrativo disciplinar pela prática do mesmo ato”, consolidando a independência entre as instâncias jurisdicional e administrativa.
Contudo, deve-se considerar que o artigo 126 da Lei n° 8.112/1990 determina que “a responsabilidade administrativa do servidor será afastada no caso de absolvição criminal que negue a existência do fato ou sua autoria”.
O próprio Supremo Tribunal Federal reconhece que se trata de uma independência relativa, admitindo hipóteses em que a sentença penal absolutória pode produzir efeitos sobre a responsabilidade administrativa do servidor com relação aos mesmos fatos. Nesse sentido, destaca-se trecho da ementa do julgado no MS n° 21.029/DF, de relatoria do Ministro Celso de Mello:
O exercício do poder disciplinar pelo Estado não está sujeito ao prévio encerramento da “persecutio criminis” que venha a ser instaurada perante órgão competente do Poder Judiciário nem se deixa influenciar por eventual sentença penal absolutória, exceto se, nesta última hipótese, a absolvição judicial resultar do reconhecimento categórico (a) da inexistência de autoria do fato, (b) da inocorrência material do próprio evento ou, ainda, (c) da presença de qualquer das causas de justificação penal.
Portanto, na hipótese em que haja uma sentença penal absolutória, transitada em julgado, fundada na inexistência de autoria do fato, na inocorrência material do próprio evento ou na presença de causa de justificação penal (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito), admite-se a influência no âmbito administrativo para determinar o afastamento de eventual sanção aplicada em PAD.
Para que a sentença absolutória surta efeitos com relação à penalidade aplicada no âmbito administrativo, é necessário que os fatos analisados pelo processo penal correspondam exatamente aos fatos objetos do PAD. Caso contrário, aplica-se o disposto na Súmula de n° 18 do STF, a qual determina que “pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, é admissível a punição administrativa do servidor público”.
Nesse cenário, considera-se a existência de um prazo prescricional de 05 (cinco) anos, contados a partir do trânsito em julgado da sentença penal absolutória, para que o servidor público requeira a reintegração ao cargo do qual foi demitido ou teve sua aposentadoria cassada, conforme entendimento reiterado do STJ (vide REsp n° 879.734, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura; REsp 570.560, Rel. Min. Jorge Scartezzini).
Por fim, deve-se considerar a hipótese em que um servidor público seja condenado em Processo Administrativo Disciplinar, com aplicação de sanção pela autoridade hierárquica competente, ao mesmo tempo em que o inquérito policial para investigação dos mesmos fatos seja arquivado sem o oferecimento de denúncia pelo Ministério Público.
Esse arquivamento é uma faculdade que compete ao Ministério Público, o qual, da análise dos elementos que constituem os autos do inquérito policial, pode se manifestar pela possibilidade ou não do oferecimento de denúncia. Em ocorrendo o arquivamento do inquérito, a ação penal para apuração da suposta prática delitiva não é iniciada pelo Juízo competente, a menos que se tenha notícias de novas provas aptas a justificar o oferecimento da denúncia.
Nesses casos, em geral, entende-se pela ausência de influência em eventual condenação no âmbito de Processo Administrativo Disciplinar, baseando-se no fundamento de que o arquivamento de inquérito não produz coisa julgada material. Entretanto, mais uma vez existem exceções reconhecidas pela jurisprudência, a qual admite o afastamento de sanção administrativa caso ocorra o arquivamento do inquérito policial com base em atipicidade da conduta e extinção da punibilidade do acusado.
Nesse sentido, destaca-se trecho do julgado da Questão de Ordem no Inquérito n° 2.341, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal:
Na hipótese de existência de pronunciamento do Chefe do Ministério Público Federal pelo arquivamento do inquérito, tem-se, em princípio, um juízo negativo acerca da necessidade de apuração da prática delitiva exercida pelo órgão que, de modo legítimo e exclusivo, detém a opinio delicti a partir da qual é possível, ou não, instrumentalizar a persecução criminal. 5. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal assevera que o pronunciamento de arquivamento, em regra, deve ser acolhido sem que se questione ou se entre no mérito da avaliação deduzida pelo titular da ação penal. Precedentes citados: [...]. 6. Esses julgados ressalvam, contudo, duas hipóteses em que a determinação judicial do arquivamento possa gerar coisa julgada material, a saber: prescrição da pretensão punitiva e atipicidade da conduta. Constata-se, portanto, que apenas nas hipóteses de atipicidade da conduta e extinção da punibilidade poderá o Tribunal analisar o mérito das alegações trazidas pelo PGR. 7. No caso concreto ora em apreço, o pedido de arquivamento formulado pelo Procurador-Geral da República lastreou-se no argumento de não haver base empírica que indicasse a participação do parlamentar nos fatos apurados. 8. Questão de ordem resolvida no sentido do arquivamento destes autos, nos termos do parecer do MPF.
Assim sendo, o servidor público sancionado com base em decisão proferida no âmbito de Processo Administrativo Disciplinar, cujos fatos foram também objeto de investigação de inquérito policial ou ação penal, pode requerer o afastamento dessa sanção caso o Poder Judiciário profira sentença penal absolutória baseada em ausência de autoria, de materialidade do delito ou de ocorrência de causas de justificação penal, bem como caso o Ministério Público entenda pelo arquivamento do inquérito baseado na prescrição da pretensão punitiva e atipicidade da conduta.